sábado, 20 de maio de 2023

Registro 057

01/03/23

Sobre uma viagem


Lírica, colérica desde sempre, fechou com força a porta do quarto e veio se sentar ao meu lado na cama. Com raiva de tudo, de nada, com raiva da vida, enquanto narrava seus conflitos de adolescente (que não ouvi por na hora dedicar minha atenção aos seus cabelos) disse “... se você fosse minha mãe, tudo seria diferente…”; nesse momento passei a escutá-la e percebi em suas lágrimas que havia chegado a hora de passar adiante (mais) um ditado popular desses que explicam tudo e nada, que explicam a vida.

- Lírica, querida, tudo acontece porque tem de acontecer. Parece bobagem, às vezes a própria injustiça que controla o universo e as existências, seja uma coisa ou outra, tudo acontece por uma razão, isso é verdade.

- Você não fala mal das filosofias deterministas? Não passamos quatro horas ontem conversando sobre a aleatoriedade?

- A aleatoriedade faz mais sentido mesmo, mas só pelo mistério que é a soma de todos os fatos. Se soubéssemos todos eles, pelas leis da física, tudo estaria interligado caminhando desde o início dos tempos na mesmíssima direção.

- Sim. Mas nada faz sentido mesmo… não é?

- É sim.

A campainha tocou me salvando das profundezas mais terríveis de mim mesma, evitando que eu confessasse a Lírica ser sua existência um dos maiores feitos da minha boa sorte. Sou tão egocêntrica, amo tudo que diz respeito a mim, às vezes com rancor, com dores terríveis e alegrias indizíveis, mas amo. Caminhando até o portão, a passos lentos, curtos, como sempre faço viajei para um mundo interno onde posso dizer sempre qualquer coisa a qualquer um, e lá disse a Lírica que, pela fertilidade das minhas ideias que suspendeu a do meu corpo, eu a amava.


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