terça-feira, 8 de agosto de 2023

Às más línguas

João morreu, pagou as contas e morreu, assim do nada, em público no quinto dia útil e falaram isso como uma coisa boa em seu velório - porque o mundo não tem coração, é planeta, tem só pressão e lava no peito. José ficou mal falado, porque morreu sozinho no quarto, inútil.


Sobre cuidar

O tempo tem passado rápido, arrastando com ele minha cara, como se seu caminho fosse para baixo e não para frente; o rosto derretido no espelho é o meu. Porém não é sobre isso que preciso escrever, mas tem algo a ver com o tempo que passa levando coisas consigo. Veio-me uma frase na cabeça ontem antes de dormir, enquanto na paz daquele estado entre o sonho e a realidade, em que as imagens se formam sozinhas, as palavras se juntam sozinhas e começamos a assistir a um mundo criado por nós mesmos… que delícia. Delícia porque assistir, espectar, é mais fácil que agir, escolher, optar. Decidir é horrível, doloroso demais, saber-se responsável por si mesmo é um dos maiores pesos da vida, porque a partir do momento em que tomamos consciência disso as consequências são todas nossas, não há um outro a culpar, horrível… A existência pode até exigir algo do espírito para que consigamos dormir, porém depois de adormecidos, não nos exige nada, dormir é muito bom. Os problemas surgem quando estamos acordados. Demanda prática essa tal boa inclinação, tempo também e uma força de vontade que vem de algum lugar entre a esperança e o medo. Quero coisas, não quero outras, fim. No geral convém fazer o bem, pelos outros, pelo planeta, por egoísmo, tanto faz, de verdade, tanto faz mesmo. Porque no fim as más ações são más não por qualquer moralidade, mas sim por serem estéreis, e quando não infecundas são nocivas. A boa escolha é fértil, envolve um cuidado e dá orgulho. E era só essa última frase que quis ou precisava escrever. Uma vida é boa e dá orgulho quando é cheia de cuidados, de diversas ordens, em infinitos graus, todos os dias…

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