A felicidade dança a poucas quadras dos corações
infelizes, e por isso estar triste é como estar apaixonado.
Uma dor e uma alegria acenam de longe, por trás
das garrafas de vidro. Lançam-nos olhares insinuantes enquanto se beijam como
moças safadas e bêbadas. Que fazer senão olhá-las de volta? Enquanto falam sem
som, as línguas nos chamam. Para onde? Para o sobrado ao fim da rua, lugar vazio
frequentado por ninguém – desejo.
Nos cantos aconchegantes de nossa solitude o
escuro nos cobre de calma. Aqui as moças se encontram e se despem malucas como
se lhes pinicassem as roupas. Não há espaço mais seguro e por isso aqui também nos
comemos como um pedaço de carne, como um talo de couve, como qualquer coisa
resistente que nos exige os dentes. Sou assim: pérfida. Corto-te como comida, e
mastigo e engulo e esqueço.
Sou má, talvez, e não ligo. Na verdade nem
entendo. Haveria uma forma de ser menos cruel? Não. Toda felicidade é assim: como
bruxaria, mistério, feitiço ou milagre. Assusta os despreocupados. Preocupe-se!
Diz a felicidade.