quarta-feira, 21 de junho de 2017

Sobre os dias

Me senti velha pela primeira vez, senti falta do corpo e do espírito que já tive um dia. Não reconheço a moça no espelho, é outra pessoa, mais chata e acabada que eu. Com o tempo, os olhos de peixe morto estão se acentuando, os dentes estão ficando acinzentados e a boca, antes reta, está se curvando num tom de rabugem.
Minha pálpebra direita está mais flácida que a esquerda, que aconteceu? Onde estão meus olhos? A assimetria se intensifica a cada dia e antes fosse só por fora! Por dentro, apenas conflitos, entendimento e sensibilidade se digladiam sem hiatos. Há uma esperança ainda, amputada, que sem pernas se arrasta pelo caminho enquanto esfola os braços, mas está lá, viva... tão linda a esperança, mesmo assim, meio morta, há um quê de coragem em seu arrastar.
A Ada está ficando velha também, resmungona, e está, assim como eu, ranzinza e doente, cansada e impaciente. O gato está perfeito.

São gotas de lucidez, o gosto é horrível.

sábado, 20 de maio de 2017

Sobre passos.

Escrevi um texto quando entrei na faculdade, registrei em algumas linhas a meninice que vivia. Ontem me formei, acho que o fato merece umas letras...

O plano era colar grau na sala do diretor, cerimônia simples, umas palavras bonitas e uns juramentos estranhos. Mas as circunstâncias são como as bibliotecas, sempre há algo escondido. A família da minha melhor amiga me presenteou com a oportunidade de participar da formatura. O capelo virou realidade, a cerimônia estava linda, a atmosfera cheirava a alívio, um mar de cumprimentos e sorrisos. Planejei não chorar, mas durante a entrega dos canudos, uma moça levantou o tubo vermelho e gritou “É para você mãe! ”, chorei...

Chamaram meu nome, caminhei feliz e emocionada em direção à grande mesa, o diretor disse alguma coisa enquanto colocava em mim um chapeuzinho verde cheio de franjinhas; meu paraninfo, vice-diretor, me deu o canudo e me disse palavras gentis enquanto me dava um abraço; pose para as fotos. Aí apareceu meu amigo... Marcus me abraçou e eu senti sair das minhas costas um peso enorme, chorei...

Fim de cerimônia, uma aluna se levantou e humanizou o ritual. Luana me fez chorar de novo... falou por todos nós. Eu senti falta da minha família, vivemos um caso de amor à distância; eu não vejo meus pais há mais de quatro anos. Como é doloroso o desenvolvimento, deixar aquilo que nos envolve. Crescer é um tipo de abandono. Cerimônia encerrada, todos se levantam e começa uma sessão infindável de abraços e fotos. Luciana veio me parabenizar, Luciana é mãe da minha melhor amiga, me abraçou como se eu fosse sua filha, como se fosse minha mãe, e eu chorei, chorei muito, solucei. Ela entendeu perfeitamente o tamanho do meu vazio...

Tenho ao meu lado pessoas maravilhosas, a vida foi boa comigo até agora e eu sou muito grata por isso. Contudo, se enraíza em mim uma solidão, um silêncio maciço. Ser sozinho é não ter onde sentar dentro de si. Me encontro mais fora de mim...

Estou em Marília desde 2011, não sei dizer quantas vezes me senti perdida, frágil e incapaz. De mãos dadas com o tempo, a vida parece não se preocupar. É como se fossemos flores de pântano, como se da lama nos alimentássemos. Cada desgraça um passo, cada conquista também.

Me formei em confusão psicológica e agora estou fazendo uma Pós em lacunas existenciais... A filosofia tem um gosto oscilante, como aqueles que sentimos pelo cheiro. Como quando tomamos chá ou respiramos fundo em dias chuvosos, a filosofia tem gosto de cheiro, é isso. É beleza de fresta, fissura, é distância. É o cheiro do vazio, do fundo. Última gota no fundo do copo.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

No fundo do copo.

Somos nossos pensamentos mais íntimos e pessoais, nossos medos e tristezas, sonhos e alegrias. Somos nossas línguas e dentes, nossos fios de cabelo na cabeça e no ralo, somos o perfume bom de nossas peles e também o cheiro horrível do nosso cansaço e maldade. Somos nossos corpos, riso e choro, gemido e dor. Quando nos vimos pela última vez?

Todo rompimento é doloroso. A vida surge do sofrimento e de um aparente caos e confirma suas origens até o seu fim. Cada dia um parto - a vida nos parindo - e sentimos toda a dor, o sangue, a pulsação...como num recém-nascido, o ar nos queima os brônquios e a luz os olhos. O conhecimento dói, digamos assim. Nos conhecemos e por isso dói.

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