terça-feira, 31 de agosto de 2021

Celine e Sara conversam

 - Beto está estranhamente apaixonado por mim.

- Ah é? E Pedro me deixou...

- Você é linda, Sara. Mas é um pouco trouxa, deveria...

- E você não?

- Sou… mais até do que você! A questão é essa! Você é pouco trouxa, deveria ser mais. No meu peito há uma plantação de violetas.

- No meu...

- Eu sei… Uma pena.


Celine e Beto conversam

- Deu tudo errado.

- Eita… sinto muito. Mas eu avisei que essa coisa da poliafetividade era só uma grande sacanagem.

- Todos me odeiam agora.

- Eu não te odeio, eu amo você.

- Somos amigos, não conta...

- Conta sim, é só o que conta... Suas ideias me atraem e seus desejos não me ofendem. Deveríamos mesmo morar juntos! Quem sabe até namorar eventualmente… ontem pensei nisso…

- Somos amigos, Beto. 

- Somos quase a mesma pessoa, Celine.

- Quase…

- Esqueceu a história do prédio, foi? Quero morar na cobertura! Parafraseando Bukowski, todos me avisam, mas quero que você me destrua pessoalmente.

- Voltou a ler esse desgraçado? Que merda, Beto…

- É...que merda.

 

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Sobre nós

Estava mesmo carente de um novo amigo velho, que dissesse o que não posso ou não devo, reencontrei Bukowski - e suas palavras que escancaram os vazios e a revolta que não consigo expressar sozinho. Celine e Sara ainda vão me matar de tesão ou cirrose. Há uma tensão sexual entre nós que elas ora ignoram, ora se utilizam para controlar a situação - o que me deixa extremamente perturbado. Não somos apenas amigos, definitivamente. São maravilhosas e eu namoraria ambas, não casaria com nenhuma, mas namoraria as duas e de preferência ao mesmo tempo. Celine, que frequentemente mira no poliamor e acerta no poliódio... toda contraditória, louca, triste, como eu, gosto de como ela pensa amar todo mundo e sabe não amar ninguém, somos tão parecidos! Sara, que constantemente sonha acordada, jura coisas, oposto de mim... adoraria encontrá-la três ou quatro vezes por semana, transar pela casa inteira, foder sua garganta, lembrar eventualmente que a vida não é só dor e sofrimento, vontade e falta, mas também gozo, beleza e amor.


quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Sobre a mudança

Sara escreverá cartas, Celine escreverá tratados e Beto, que não escreve nem lê nada, continuará ignorando o que for possível. Sara é apaixonada (e está para casar), Celine tem dois namorados (mas só beija um) e Beto não ama ninguém. Sara faz tudo que o noivo deseja, agradar a todos é tudo que Celine almeja e Beto só faz o que quer. São distintos, mas se dão bem, se não se matarem - estreitarão os laços.

A velha adolescente, a poligâmica depressiva e o preguiçoso imoral vão morar juntos. O plano nasceu prematuro, no susto, enquanto bêbado no bar o trio brindava à morte e à vida. Não decidiram nada ainda, ora pensam que bastaria uma pequena sala sem divisórias, ora planejam um condomínio - mas os três não têm um puto.

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Sobre velejar

Parcas, minhas verdades. Doa a quem doer, alegre a quem gostar, sou apenas um ser humano excitado. Animal, hormonal, feito de carne e desejo, correndo atrás das luzes que vejo e fugindo da dor. Capitão do meu barco, que mesmo furado me leva, leva e traz a diversos cais - não me falta vento às velas. Da liberdade, nascente de verdade, os valores brotam como água, ganham força a cada queda como rio e desaguam na humanidade, tornando-se mar. No meu mundo existem mares e eu nasci para velejar.


quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Sobre o meu personagem

A incerteza é um traço do meu personagem. Desde os sete, quando comecei a morrer, não sei quem sou, não sei quem sou nem o que quero. Desconheço meus pontos de partida e chegada - não sei de nada; e não é fácil ser assim. Porque é difícil e penoso ter de explicar, o tempo todo, as razões pelas quais não entendo. Mas me sinto schilleriana, levo a sério o jogo e por isso, às vezes, sou obrigada a repetir (em sofrimento) que metade do que digo é brincadeira e a outra metade é mentira.
Seja bem-vindo, amor, ao meu inferno! Não quero dividir a vida, que já parece tão pouca. Aconchegue-se! Sirva-se à vontade, beba meu veneno, engula meus espinhos - venha morrer comigo!

Celine e Beto conversam II

 Triste desde ontem de manhã (quando descobriu que não teria o bebê indesejado), observa suas unhas. Há dez anos as olha crescendo e quebrando sem nada por cima que as esconda.

- Minhas unhas são como meus pensamentos.

- Celine? Celine!

Celine acorda assustada e num movimento brusco deixa cair no chão o porta-retrato que, nos dias felizes, enfeita sua mesa e, nos dias maus, assombra seu expediente.

- Oi! Nossa! Peguei no sono. Estou tão cansada ultimamente… Posso te contar uma coisa, Beto? Beto?

- Sim! Estou ouvindo… não posso parar de trabalhar, mas estou ouvindo.

- Achei que estivesse grávida e, estranhamente, eu...

Beto se afasta da mesa de trabalho e observa o céu nublado por trás das janelas de Celine.

- Celine. Você está bem?

- Não sofri nem provoquei um aborto. Se é o que está perguntando. Eu achei apenas que estivesse gráv...

- Perguntei se você está bem.

- Não, não estou. Eu estou meio doida... achei que estivesse grávida e pela primeira vez, Beto, eu não quis morrer.

- Mas morreria! Você sabe, certo? Que morreria!?

- Sei sim… Mas sempre quis morrer… como todos sabem. E a contradição está aí! Nada está mais perto da morte do que a própria vida. Um bebê me mataria…  Estou tão cansada… Sofrer cansa, querer cansa. Bom seria não querer nada, sofrer por nada… morrer mesmo… ou ter um bebê - que é a mesma coisa.

- Você é tão estranha às vezes…

- Eu sei. Grávidas não podem fumar, sabia?

- Pois…

- Eu morreria.

- Morreria.


terça-feira, 17 de agosto de 2021

Celine e Beto conversam

 - Beto, essa menina está me dando nos nervos! Aquela pentelha louca! Misericórdia - como odeio os jovens! Se bem que ela deve ter uns 30 hoje em dia...

- De quem mesmo você está falando? Da moça do balcão? Brisa!

- Brisa.. que Brisa, Beto! Acorda! 

- O nome dela não é Brisa? Ela disse que os pais eram hippies e que em setenta e…

- Beto! Puta que pariu! To falando da Sara.

- Porra… Ela não tinha…

- Sim, estava desaparecida desde…

- Nossa… desde 2000 e bolinha!

- Essa coisa de falar “e bolinha” depois de alguma data, é coisa de velho eu acho. A gente está velho, Beto?

- A gente está velho sim, daqui para frente é só para trás - como diz aquele cara que você está saindo! Como é mesmo o nome dele? Muito engraçado, gente finíssima, encontrei com ele hoje de manhã e ele disse que…

- Pedro. O nome dele é Pedro.

- Sim, Pedrão!

- Pedro só. Beto! Volta! Eu quero falar mal da Sara...

- Mas ela não estava desaparecida? Todo mundo achou que…

- Que ela tinha ido dessa para a pior.

- Que horror, Celine!

- Besta! Essas coisas não existem, Beto. Betinho… Betinho do papai! - E ri.

- Odeio que você me chame assim…

- Eu sei… Você é meu melhor amigo, Beto. Minha pessoa! Vamos armar aquele ménage!

- Você é doida, Celine! Que mané ménage… Porra...e a Sara?

- Passeando de mãos dadas com Pedro na beira do lago. Ninguém viu. Quem me contou foi a própria Sara.

- Mas ela não tinha morrido?

- Acho que todo mundo pensou que ela tinha morrido porque adolescentes não entendem nada de nada… Sabe o que aconteceu? Ela se mudou para Itaquaquecetuba.

- Itaquaque o quê?

- Cetuba. Enfim, ela não morreu… e é engraçado porque eu achei mesmo que ela estivesse morta, eu sonhava com ela…

- Vocês tinham uma amizade esquisita naquela época… Vocês se beijavam escondidas no banheiro, brigavam às claras no corredor das portas, e lembra daquele dia…

- Beto! Eu sonhava com ela voltando e me pedindo desculpa…

- Pelo quê?

- Por ter ido embora daquele jeito, depois daquelas coisas todas… E agora aparece assim, girando na praça com Pedro… Aí me encontra na rua, age como se nada tivesse acontecido, conta feliz da história da praça, e pipipi popopo, o cabelo dele...

- Está com ciúme?

- Não, não… eu estou triste apenas. Porque Pedro e Sara agora vão ficar por aí, brincando de madrugada às 11h da manhã, vão me esquecer...

- Celine… que merda é essa?

- Eu que pergunto! Que merda é essa, Beto?

- Glória aos deuses! Deu minha hora… Vou para casa, dormir, estou moído… e está tudo bagunçado em casa, penas para todos os lados, sinistro…

- Aquela história do pavão? Cara… acho que isso pode dar merda. Que merda é essa, Beto?

- Celine… Tem umas coisas estranhas acontecendo mesmo. Hoje de manhã parado no sinal vermelho, estava acendendo uma ponta quando vi o cara do carro ao lado jogar pela janela um papel enquanto brigava com a moça careca que gritava enquanto estapeava o volante.

- Quê?

- E você sabe como eu sou curioso! Fingi que deixei cair algo pela minha janela, abri a porta e peguei a porra do papel…

- Você não fez isso..

- Fiz…

- E ai?

- Amanhã te mostro o papel, você vai achar bonito, papel velho do tempo todo amarrotado, rasgado na assinatura, uma cartinha de amor...tenho que ir…

- Mas o que estava escrito?

- Fulano… amo você, blá blá blá… Amanhã te mostro, tenho que ir.

- Eu gosto dessas histórias… Volto para os anos 2000 e bolinha… quando éramos adolescentes e...

- Estamos velhos, Celine… até amanhã!

- Até.


domingo, 15 de agosto de 2021

Sobre a dor de sermos reais

 - Igor, quero te amar direito para amar para sempre. É verdade isso.

- E a gente tem que ir atrás da verdade.

- Pois.

- E agora?

- Vou te beijar no caminho, no palco, na praça.

- E a graça?

- Está com os deuses. Conosco só a dor de sermos reais e o conforto de sermos leais.


sábado, 14 de agosto de 2021

Sobre o dionisíaco

 - Não é mais bonito e verdadeiro declarar “você é importante” do que prometer “você é o único” ?

- Celine, não me amole de novo… eu sou monogâmica. 

- Eu acredito, não entendo, mas acredito, respeito.

- Respeita?

- Claro! O apolíneo não permite que eu queira todos iguais a mim.

- E o dionisíaco?

- Implora!


Sobre o sonho dos maus

 - Não estou conseguindo dormir… tenho dormido muito mal nos últimos dias.

- Por quê?

- Não sei…

- Talvez seja porque você não quer dormir aqui.

- Claro que não, meu bem.

De bruços, apontando para o inferno meus afetos, dormi mal - mais uma vez. O tempo passa levando consigo meus abrigos, minha paz, meus valores… Estou insegura, nervosa e vazia. Julgam-me louca e talvez tenham razão.

- Dedé? Vou te amar para sempre, porque já te amo direito. Meu ciúme não é maior que meu amor. Dedé?

Silêncio...

Fui dormir o sonho dos maus, enquanto Dedé (como sempre) o sono dos justos.


quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Sobre a condição do desejo

Nada é o fim do mundo e tudo o fim da vida. Há dias essa frase dança na minha cabeça ora oca, ora atulhada - salão estranho que, como já escrevi certa vez, não há onde se sentar. Não durmo, não como, não quero nada, nada além daquela cama, daquele quarto. Pedro acha pouco, não lhe basta que eu lhe queira, Pedro quer que todos saibam. Eu quero! Saibam todos! Vontade tenho de sobra… sou toda vontade, inteira falta - já escrevi isso também. Ando me repetindo demais, o tempo todo escrevo: te amo, te amo, amo…

Quero porque não tenho, é a lei do desejo - lei! E sei, então, que a liberdade do meu objeto de desejo é condição necessária para que eu o queira eternamente. 

Colha as rosas, meu amor, e irão murchar


quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Sobre o pavão

 - Natalia, dois anos no Canadá, francês, francês…

- Beto, você está bem?

- Eu não consigo me concentrar…

- Percebi mesmo sua cara ao longo do dia, viu passarinho verde, foi?

- Você não sabe de nada! Eu vi um passarinho encantado! Um pavão brilhante está na minha casa agora mesmo.

- Você veio trabalhar chapado de novo?

- Sim. Mas a coisa do pavão é verdade. Do bar fomos para o quarto, havia um pavão, acordei três dias depois e o pavão estava em casa.

- Que segunda!

- Pois…

Silêncio…

- É sério essa coisa do pavão?

- É.

- Não é ilegal?

- Provavelmente.

- Você não fez direito?

- Não. Fiz filosofia, errado mesmo.


Sobre rosas e macacos

Paixões são como rosas, desfazem-se se não as colhermos pelo caule. É preciso muita concentração para não nos tornarmos macacos excitados que, sem delicadeza alguma, enfiam na boca a roseira inteira.


quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Sobre o tempo e o espaço

Há três dias penso mais em Pedro do que em qualquer outra coisa. Mas a vida é vasta e há muito já o que resolver. O tempo e o espaço que tenho para lhe dar são os que existem dentro de mim. Pode parecer apenas uma cantada estranha de inclinação kantiana, mas é o que tenho mesmo a oferecer - as estruturas básicas da minha sensibilidade.

Pedro tem raízes no peito e nos olhos - quero cultivá-lo.

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