- Beto, essa menina está me dando nos nervos! Aquela pentelha louca! Misericórdia - como odeio os jovens! Se bem que ela deve ter uns 30 hoje em dia...
- De quem mesmo você está falando? Da moça do balcão? Brisa!
- Brisa.. que Brisa, Beto! Acorda!
- O nome dela não é Brisa? Ela disse que os pais eram hippies e que em setenta e…
- Beto! Puta que pariu! To falando da Sara.
- Porra… Ela não tinha…
- Sim, estava desaparecida desde…
- Nossa… desde 2000 e bolinha!
- Essa coisa de falar “e bolinha” depois de alguma data, é coisa de velho eu acho. A gente está velho, Beto?
- A gente está velho sim, daqui para frente é só para trás - como diz aquele cara que você está saindo! Como é mesmo o nome dele? Muito engraçado, gente finíssima, encontrei com ele hoje de manhã e ele disse que…
- Pedro. O nome dele é Pedro.
- Sim, Pedrão!
- Pedro só. Beto! Volta! Eu quero falar mal da Sara...
- Mas ela não estava desaparecida? Todo mundo achou que…
- Que ela tinha ido dessa para a pior.
- Que horror, Celine!
- Besta! Essas coisas não existem, Beto. Betinho… Betinho do papai! - E ri.
- Odeio que você me chame assim…
- Eu sei… Você é meu melhor amigo, Beto. Minha pessoa! Vamos armar aquele ménage!
- Você é doida, Celine! Que mané ménage… Porra...e a Sara?
- Passeando de mãos dadas com Pedro na beira do lago. Ninguém viu. Quem me contou foi a própria Sara.
- Mas ela não tinha morrido?
- Acho que todo mundo pensou que ela tinha morrido porque adolescentes não entendem nada de nada… Sabe o que aconteceu? Ela se mudou para Itaquaquecetuba.
- Itaquaque o quê?
- Cetuba. Enfim, ela não morreu… e é engraçado porque eu achei mesmo que ela estivesse morta, eu sonhava com ela…
- Vocês tinham uma amizade esquisita naquela época… Vocês se beijavam escondidas no banheiro, brigavam às claras no corredor das portas, e lembra daquele dia…
- Beto! Eu sonhava com ela voltando e me pedindo desculpa…
- Pelo quê?
- Por ter ido embora daquele jeito, depois daquelas coisas todas… E agora aparece assim, girando na praça com Pedro… Aí me encontra na rua, age como se nada tivesse acontecido, conta feliz da história da praça, e pipipi popopo, o cabelo dele...
- Está com ciúme?
- Não, não… eu estou triste apenas. Porque Pedro e Sara agora vão ficar por aí, brincando de madrugada às 11h da manhã, vão me esquecer...
- Celine… que merda é essa?
- Eu que pergunto! Que merda é essa, Beto?
- Glória aos deuses! Deu minha hora… Vou para casa, dormir, estou moído… e está tudo bagunçado em casa, penas para todos os lados, sinistro…
- Aquela história do pavão? Cara… acho que isso pode dar merda. Que merda é essa, Beto?
- Celine… Tem umas coisas estranhas acontecendo mesmo. Hoje de manhã parado no sinal vermelho, estava acendendo uma ponta quando vi o cara do carro ao lado jogar pela janela um papel enquanto brigava com a moça careca que gritava enquanto estapeava o volante.
- Quê?
- E você sabe como eu sou curioso! Fingi que deixei cair algo pela minha janela, abri a porta e peguei a porra do papel…
- Você não fez isso..
- Fiz…
- E ai?
- Amanhã te mostro o papel, você vai achar bonito, papel velho do tempo todo amarrotado, rasgado na assinatura, uma cartinha de amor...tenho que ir…
- Mas o que estava escrito?
- Fulano… amo você, blá blá blá… Amanhã te mostro, tenho que ir.
- Eu gosto dessas histórias… Volto para os anos 2000 e bolinha… quando éramos adolescentes e...
- Estamos velhos, Celine… até amanhã!
- Até.