Texto apresentado durante a sessão de comunicações do IV Simpósio Antônio Trajano, no dia 29/09/2015- UNESP campus de Marília.
Eu
não quero começar a ler meu trabalho sem antes falar do Prof. Trajano, afinal
ele foi e é uma figura importantíssima no meu processo de conceituação da
Filosofia. Digo processo porque acredito que a Filosofia é um certo tipo
de atividade e para que a compreendamos é necessário analisarmos seus
movimentos e que ensaiemos os mesmos afim de que a prática nos leve ao
entendimento de sua finalidade.
Pela simplicidade da fala e pela
tranquilidade do olhar, o Prof. Trajano transparecia sua relação com a
Filosofia, e eu os via como um belo casal de velhos; a imagem que me vinha à
cabeça era a desses casais, que para caminhar harmoniosamente se apoiam um no
outro de tal forma, que é impossível identificar qual dos dois precisa mais do
outro para continuar andando. Ela uma velha charmosa, lúcida, inquieta e ele um
velho apaixonado, honesto e simples. Em outras palavras, o que quero dizer é
que o Prof. Trajano me ensinou, que ou você convive com a Filosofia, ou nunca
irá conhece-la; a mensagem é simples e verdadeira e esse evento é importante
porque nos lembra desse preceito. Para participar de um evento que nos convida
a falar em primeira pessoa, um evento que nos permite escrever “eu penso...”, é
necessário que larguemos das mãos dos nossos amigos filósofos e ensaiemos
nossos próprios passos. É uma grande oportunidade, e em como todas desse tipo,
o medo é inerente àqueles que se dispõe a aceita-la; afinal caminhar só, no
escuro e silêncio... Não é fácil.
Eu
não pretendo com esse trabalho insinuar que o trabalho habitualmente feito aqui
e nas outras universidades não é útil, de maneira nenhuma, ele é válido e
importantíssimo; quero somente valorizar a forma de fazer filosofia que aprendi
com o Prof. Trajano, uma forma simples, honesta, e baseada em mim mesma.
Partir do ponto de que a prática de
certa atividade nos trará sabedoria pode soar um tanto como aquela ideia de que
o conhecimento é saber fazer algo e hoje em dia somos inclinados à recusar essa
tese por acharmos que isso seria voltar ao problema do Teeteto; não é exatamente isso que quero com este trabalho, quero
apenas refletir sobre a atividade do filósofo para tentar definir qual é sua
produção, e quiçá para que ela serve.
Quero iniciar minha investigação
partindo do ponto de que por milhares de fatores sociais, nos últimos tempos
tem-se fomentado a ideia de que filósofo é aquele que trata de questões
extremamente complexas e tão abstratas que dificilmente poderiam ser compreendidas
pelos “meros mortais” (todos aqueles que não estudam Filosofia) e muito menos
úteis para os mesmos; cultiva-se também o pressuposto de que esse trabalho de
nada serve para o mundo concreto, o mundo real, dos negócios, do dinheiro;
afinal para que servem verdades num mundo de aparências?
Muitos agora podem estar pensando
“Mas obviamente que a filosofia faz algo pelo mundo real, toda a História prova
isso- o quanto o curso da Humanidade mudou de direção de acordo com as
filosofias de seus períodos.”. Isso é fato, mas então qual a razão de existirem
aos montes aqueles que defendem que a Filosofia para nada serve? Dentro e fora
das universidades escutamos várias vezes diversas anedotas que no geral dizem
que nós filósofos, não fazemos nada da vida e que nosso trabalho nada produz,
pensam que não é possível uma simples teoria ser mais forte que toda a
brutalidade do mundo real. É comum alguém dizer que nosso trabalho é ficar
sentado em algum canto tomando um café, pensando na vida... Quando há uma
pessoa parada olhando pro nada logo alguém diz: “está filosofando?”. Muitos
podem pensar que “são só piadinhas”, mas eu creio com bastante certeza que as
piadas que as pessoas contam, e as piadas das quais as pessoas riem, muito
revelam sobre elas próprias. Enfim, muitas coisas me fazem pensar que com o
passar dos séculos diminuímos a intensidade da busca pela finalidade da
Filosofia, engavetamos essa questão, e com risos respondemos os que dizem que
não fazemos nada, que não servimos para nada, que não produzimos nada.
Para muitos de nós a Filosofia se
tornou apenas uma forma de pesquisa, leitura e reprodução de textos
filosóficos, mesas redondas, congressos, artigos; uma profissão como todas as
outras, com atividades e salários previamente estabelecidos; e o curioso é que juntamente
com essa ideia rasa de Filosofia jaz a oculta e insolente ideia de que não
atuamos no mundo real. Dessa associação não poderíamos mesmo esperar outro
resultado senão essa sociedade na qual vivemos, uma sociedade que nos desmerece
e menospreza. E não é por existirem professores de Filosofia com bons salários
nas boas universidades que minha tese está falsificada, essas exceções não
mostram que a sociedade se importa com a Filosofia, muito pelo contrário,
indicam que o espaço da Filosofia está restrito aos poucos que atendem à uma
série de exigências. Em nosso sistema não há lugar para a Filosofia, se valemos
o que produzimos não valemos nada; na balança nossos artigos são colocados e
nosso valor é pesado, valemos alguns quilos de papel.
Creio que a sociedade reconheceria
melhor o valor da Filosofia, se nós, estudantes e professores de Filosofia,
conseguíssemos mostrar com mais franqueza a relação que temos com ela. No
início deste texto eu afirmei que a Filosofia é uma atividade, e agora eu estou
falando acerca de uma relação com essa atividade, estou falando sobre a
necessidade de sermos lhanos ao falarmos de Filosofia para que consigamos
transparecer sua essência; essência essa que participa dos fundamentos da nossa
singularidade humana, um impulso que nos faz questionar a nós mesmos. É
necessário que todos entendam que o principal problema da Filosofia somos nós
mesmos; o que impulsionou os filósofos a filosofar foi a curiosidade deles
sobre eles próprios, o que nos faz estudar Filosofia é a vontade que temos de
nos entender.
Assim a Filosofia aparece como uma
atividade que se volta para nós próprios, é um debruçar-se sobre nossos
princípios a fim de analisa-los, medi-los, justifica-los, compara-los, é um
voltar-se a si mesmo constantemente para encontrar nossas coerências e
incoerências, nossas amarras e nossa liberdade.
Sendo assim, a Filosofia como uma
atividade que busca entender a nós mesmos, o que ela produz no mundo concreto?
Pode parecer rasa minha explicação, mas é a mais sincera que no momento posso
dar: o produto da Filosofia somos nós. Parece um tanto redundante dizer que o
objeto e o produto da Filosofia são os mesmos, mas ai está a questão, não são a
mesma coisa. Ao iniciarmos uma investigação sobre nós próprios jamais seremos
os mesmos ao fim de tal investigação. E então a Filosofia passa a ocupar um
lugar especial dentre as outras áreas do conhecimento, pois não só nos leva a
investigar a nós próprios como também nos permite que nos inventemos e reinventemos
enquanto estivermos vivos; há um quê artístico nessa atividade, um perfil
estético, ela exige mais do que apenas interpretação e apreensão de dados, ela
requer certo nível de criatividade, uma vontade de não somente entender, mas de
recriar, criar novamente, renovar ideias, padrões, pessoas.
Para concluirmos, já pensamos sobre
o que é a Filosofia, o que ela produz, e agora nossa pergunta final, para que
ela serve? E eu concluo, ela serve para mudar a História. E se afirmei que o
produto da Filosofia somos nós mesmos e sua função é mudar a História, é porque
acredito que nossa função é mudar a História. A Filosofia não tem outro poder senão o de
mudar a nós próprios e isso já é tudo.