quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Sobre o Humano

 - Nome?

- Humano Sem Sobrenome

- Senhor?

- É isso mesmo. Meu nome é Humano Se...

- Perdão, falha minha. Idade?

- 61.

- Por que o senhor gostaria de aprender francês? Quais são seus planos e quanto tempo o senhor tem para se preparar?

- Só não gostaria de morrer sem ter aprendido direito essa língua.

- Certo… E o senhor está com pressa?

- De morrer? Não exatamente, mas…

- Pressa de falar francês, eu quis dizer… perdão, falha minha outra vez.

- Podemos morrer amanhã, não é verdade? Ou hoje… Sêneca dizia que...

- Desculpe… o senhor pode aguardar um minutinho?

Brisa vai até a sala da Coordenação e bate na porta:

- Beto? Celine? Algum de vocês pode me ajudar?

- Pode entrar!

- Beto, boa tarde! Estou com dificuldade no atendimento, um velho muito esquisito apareceu e eu…

- Puts… Celine não trabalha hoje, é com ela essas coisas… Mas o que tem o velho?

- Não consigo atendê-lo, acho que ele é doido…

- Todo doido é esquisito, mas nem todo esquisito é doido. Acho seu nome muito apropriado…

Beto levanta da poltrona e vai até a porta, inclina-se para frente de modo a fazer Brisa pensar que receberia um beijo e, colocando lentamente a cabeça para fora da sala, reconhece o velho esquisito.

- Aquele é o seu Humano! É dono de tudo aqui.

Silêncio…

- E eu deveria saber disso? Por que ninguém me avisou que ele viria?

- Ninguém sabia que ele viria… Mas que ele é o dono da escola, isso está em todos os documentos, inclusive no contrato de admissão que você assinou recentemente.

- Eu vou voltar lá…

- Seria bom…

Brisa retorna ao balcão de atendimento e volta em alguns segundos.

- Beto! Ele foi embora! Acho que serei demitida…

- Conversa com a Celine depois… Já está na minha hora.

- Já passou do meu horário…

- Boa noite, Brisa! Quer carona?

- Não vou cair na sua, Beto. Boa noite e até amanhã!

- Amanhã é domingo…

- Eita! É verdade… Até segunda, então.

- Até.


O mal é bom e o bem cruel

Noto alguns dos traços do meu mais novo personagem e, tristemente, percebo que será o mais cruel de todos - pois é bom. É preciso mesmo unir o que há de melhor e pior na humanidade, para entendê-la. 

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Sobre a mudança de Celine

 - A princípio bastava o quarto, depois a praça, depois mais nada. Ele me deixou - que audácia!

- Celine… Nada é audacioso. Ele só não te quis, não te quer… você mesma diz que isso é normal, cansar das pessoas. Comê-las, escrevê-las e esquecê-las… Nosso trio acabou, normal, sigamos.

- Sim, normal. É triste e normal, como quase tudo nessa existência de merda.

- Amarga! Brincar de ser má dá nisso.

- Eu não brinco, eu sou. Ser egoísta não é ser mau?

- Todos temos nossos monstros, a questão é identificá-los e definir quem controla quem. Você não controla seus monstros, é simples. E pior, você gosta de ser controlada por eles.

- Então eu sou má.

- Você brinca de ser má.

- Brincar de alguma coisa verdadeira não é o que importa? Mas que merda, Sara! Que merda… Não sei o que fazer…Penso em me mudar para um lugar qualquer, uma cidade que queira ser outra coisa, como eu (que gostaria de ser uma pessoa, mas sou outra coisa),  Itaquaquecetuba!

- Você é muito esquisita às vezes…

- Na maior parte do tempo na verdade. Mas não é bom, não é agradável, não é agradável estar insatisfeita o tempo todo, é cansativo.

- Mas somos o que somos…E somos parecidas até.

- Somos parecidas sim. Somos quase a mesma pessoa.

- Você é uma falsa! Você repete isso pro Beto o tempo inteiro, tanto quanto fala que sou seu oposto. Eu sou verdadeira em tudo que eu digo, eu sou uma só pessoa.

- Você é chata, Sara. Mas eu amo você mesmo assim, sempre amei, você é linda...

- Você é falsa e safada, Celine.

- Eu sei, todos sabem. E ser falso e safado é mau, mas é normal também. Ser mau é a norma que rege a maioria dos estatutos…

- Eu não sou a maioria das pessoas… você também não é.

- Eu sou como todo mundo, ele mesmo disse…

- Esqueça, amiga… esqueça.


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