Desde pequena me acontece algo esquisito na hora de dormir.
Em forma de imagens, pensamentos me vêm à mente, de tal maneira estranha, que parecem
ocupar-me todo o crânio: como a imagem de uma bola gigante que de tão grande se
torna impensável e acaba alcançando (por trás) os ossos da testa; ou a imagem de
um menino que como num desenho animado vai ficando cada vez mais magro até
sumir de vez num vazio escuro e infinito – que deixa oco o raciocínio. Coçando
a cabeça afugento tais pensamentos, que somem numa fração de segundo, como galinhas assustadas.
Quem dera se todos os pensamentos perturbadores que tenho
pudessem sumir assim tão facilmente. Uma bola imaginária que infla até me explodir
a cuca é ruim, sem dúvida. Mas nada se compara ao que sinto quando penso em
coisas abstratas, que pela falta de imagem me deixam mais que atulhada ou oca,
deixam-me perdida – como o olhar de uma pessoa profundamente triste. Sem
contornos, a inimaginável liberdade me atormenta até o sangue. Onde está você,
beleza, seu lindo rosto? Onde estão suas mãos, D. Justiça? Apareçam! E eu
vasculho cada canto do meu ser à procura dessas ideias, arrasto teorias como se
fossem móveis, junto palavras como quem varre folhas, frases passam como pássaros,
e no fim não resta quase nada – como uma sensação.