quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Celine e Beto conversam II

 Triste desde ontem de manhã (quando descobriu que não teria o bebê indesejado), observa suas unhas. Há dez anos as olha crescendo e quebrando sem nada por cima que as esconda.

- Minhas unhas são como meus pensamentos.

- Celine? Celine!

Celine acorda assustada e num movimento brusco deixa cair no chão o porta-retrato que, nos dias felizes, enfeita sua mesa e, nos dias maus, assombra seu expediente.

- Oi! Nossa! Peguei no sono. Estou tão cansada ultimamente… Posso te contar uma coisa, Beto? Beto?

- Sim! Estou ouvindo… não posso parar de trabalhar, mas estou ouvindo.

- Achei que estivesse grávida e, estranhamente, eu...

Beto se afasta da mesa de trabalho e observa o céu nublado por trás das janelas de Celine.

- Celine. Você está bem?

- Não sofri nem provoquei um aborto. Se é o que está perguntando. Eu achei apenas que estivesse gráv...

- Perguntei se você está bem.

- Não, não estou. Eu estou meio doida... achei que estivesse grávida e pela primeira vez, Beto, eu não quis morrer.

- Mas morreria! Você sabe, certo? Que morreria!?

- Sei sim… Mas sempre quis morrer… como todos sabem. E a contradição está aí! Nada está mais perto da morte do que a própria vida. Um bebê me mataria…  Estou tão cansada… Sofrer cansa, querer cansa. Bom seria não querer nada, sofrer por nada… morrer mesmo… ou ter um bebê - que é a mesma coisa.

- Você é tão estranha às vezes…

- Eu sei. Grávidas não podem fumar, sabia?

- Pois…

- Eu morreria.

- Morreria.


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