quarta-feira, 25 de abril de 2018

Tristeza apaixonada


A felicidade dança a poucas quadras dos corações infelizes, e por isso estar triste é como estar apaixonado.

Uma dor e uma alegria acenam de longe, por trás das garrafas de vidro. Lançam-nos olhares insinuantes enquanto se beijam como moças safadas e bêbadas. Que fazer senão olhá-las de volta? Enquanto falam sem som, as línguas nos chamam. Para onde? Para o sobrado ao fim da rua, lugar vazio frequentado por ninguém – desejo.

Nos cantos aconchegantes de nossa solitude o escuro nos cobre de calma. Aqui as moças se encontram e se despem malucas como se lhes pinicassem as roupas. Não há espaço mais seguro e por isso aqui também nos comemos como um pedaço de carne, como um talo de couve, como qualquer coisa resistente que nos exige os dentes. Sou assim: pérfida. Corto-te como comida, e mastigo e engulo e esqueço.

Sou má, talvez, e não ligo. Na verdade nem entendo. Haveria uma forma de ser menos cruel? Não. Toda felicidade é assim: como bruxaria, mistério, feitiço ou milagre. Assusta os despreocupados. Preocupe-se! Diz a felicidade.

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