sábado, 20 de maio de 2023

Registro 046

07/12/22

Ela é como a tempestade que revolta o lago, o tornado violento que milagrosamente põe no ar a água… sou uma gotícula rodopiando no centro de sua ventania.

---------------------------------------------------------------------------------------------

Sobre as extremidades 


- Não me sinto muito bem entre as mulheres, entre os homens também não, sozinho fico estranho, não há lugar específico para gente como eu. A interação com as mulheres sempre foi levemente perturbadora, mas nos entendemos entre muitas faltas e tudo termina bem quando me torno amigo delas. Achei que fosse gay, mas a ideia não deu conta. Quando entendi minha bissexualidade as coisas continuaram nebulosas, mas melhores de qualquer forma, porque antes a penumbra que a escuridão total! Com um igual na meia-luz do quarto e da existência, é quando me sinto bem. Partindo dos estereótipos eu não gosto de mulheres, muito menos de homens, gosto de quem no jogo dos poderes disputa como igual comigo. Meu amor por Lara se fundamenta nestes tortuosos terrenos da minha personalidade. O que me atrai nela é justamente sua masculinidade, a violência em sua voz empostada quando declara seu desejo de me comer “de garfo e faca”, seu olhar de caça enquanto chupa o dedo que acabou de enfiar em mim. O amor de Lara é mesmo cortante, abre frestas onde não há espaço, ela é mágica e se torna a pessoa mais gostosa do planeta quando entra, comigo e em mim, na ilusória e delicada disputa entre nossos poderes - imaginários. E não há problema ou erro nisso porque as coisas são assim, tudo é inventado, e Lara brinca comigo de ser um humano inteiro e real, sem vazios, livre e feliz. Lara sempre ganha quando brinca de qualquer coisa com qualquer um, ela tem mais força, mais razão, mais beleza, Lara é em tudo maior que todos, por isso a amo. Pois mesmo também não merecendo sempre quis alguém que ninguém fosse digno o bastante de ter ao lado, soberba minha talvez, mas tanto faz. Nenhuma extremidade de corpo algum jamais mereceu a perfeição dos detalhes de Lara, mesmo assim tenho a sorte de tocá-la com a ponta da língua e dos dedos. Se ganho é pela sorte de sua permissão, consentimento ou desejo, como quando me dá flores, ou como aquela - única - vez em que enquanto brincávamos (e ela ganhava) a vi de costas olhando para trás (fundo em minhas almas), arrumando os joelhos sobre o colchão e dizendo “era isso que você queria, não?”...

Enquanto descascava uma laranja Adélia escutou atenta cada uma das palavras de Beto (que melancólico dispara contradições sempre que fica só) e com ciúme, julgando o momento propício para transformar palavras em alfinetes, calmamente disse:

- Depois de um dia inteiro sozinho você fica chato, além de estranho, inclinado a monólogos perturbadores. Você está num deles agora e eu, ocupada. Vá lá ficar com a Lara…

- Não chegou ainda de viagem. Dorme comigo hoje?

- Sempre. Nossa cama não é a mesma? E eu te amo.

- Como Lara?

- Talvez mais, às vezes menos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Páginas