sábado, 20 de maio de 2023

Registro 028

15/07/22

Sobre minha alcateia


Eu, uma almofada do campo, meu amor, um lobo da floresta. Quando o vi me apaixonei e não houve golpe ou feitiço capaz de quebrar seu encanto. A natureza tem dessas coisas, de ir contra si mesma quando lhe dá na telha, ela cria e destrói, constrói e depois explode tudo, ri e chora em cima de suas peças enquanto as manipula ora com ora sem destreza, com o egoísmo de uma criança rica e solitária. Mas enfim, não é fácil ser uma ovelha na pele de um lobo. Não que eles sejam maus e eu boa, ou eles fortes e espertos e eu fraca e boba. É mais uma questão física mesmo, do frio à noite - que não os atinge. E a quiçaça assiste o meu pastar enquanto eles dançam em sincronia, caçando histórias. É justo eu sei, o mundo é o mundo, a vida é a vida, as coisas são como são, e tudo dói. Olham feio minhas gramas e eu com olhar recíproco suas carnes, é injusto eu sei, mas as coisas são como são e o que não é não é. Em meus balidos entre seus uivos, eu peço prometendo mudanças de todos os preços, e nada, só me nasce lã, mais lã, mais lã, e o frio não passa… Simba, que tem nome e posto de leão, do alto da pedra chama seus iguais, alto, com o focinho para a lua: “Auuuuu” ele grita - e minha lobinha de suéter sai do meio das minhas patas ao seu encontro, uivando aos berros para o pai, para a lua, para o mundo inteiro, que ela é uma loba.


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