quarta-feira, 17 de maio de 2023

Registro 019

17/05/22


Lara pode beijar sua amiga do meu lado para se despedir, e pode também beijá-la no palco para todo mundo ver. Lara pode tudo, porque não se importa com nada, ou se importa com tudo, mas só quando quer, Lara é livre. Eu a entendo, claro, inclusive a defendia - a ideia do ato, a expressão estética, subversiva até, do beijo entre iguais. Pura amizade, no caso, com uma dose artística - admirável. Somos todos artistas, uma trupe de malucos encenando nossas loucuras, nossas mágoas, nossas forças. Sexta-feira treze no Bar da Besta, seus cabelos compridos e rostos quadrados na contraluz das luzes do palco, o azul piscante na poeira do ar, não esquecerei o quadro. Principalmente pela raiva que me dá, não de Lara, não do beijo, não de sua amiga, como ela mesma diz foda-se tudo e todos, o que me incomoda é a vida, a cultura, a história, é a contradição e que fique claro - a minha. O que me dói é Lara não acreditar que amo tanto quanto ela essa existência de bosta, que por não ser nada nos permite tudo.

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Antônimo, claro, deveria se chamar Antônio, que seu pai Afonso cria significar humanidade. “Meu filho será como todo mundo, ninguém." - ele dizia. No cartório o homem da mesa escreveu errado e assim surgiu o primeiro documento oficial do meu amigo, o primeira erro oficial de sua história, dos muitos que se seguiram. Antônimo é muito humano e apenas seu pai, que o ama de verdade, sabe o valor de sua inutilidade social. Como nasceu para não ser ninguém, Antônimo vive só pelo prazer de existir, inútil de tudo o rapaz, feliz, feliz…


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