terça-feira, 13 de julho de 2021

Sobre os amores II

Odeio escrever assim, errando o português, misturando a segunda e a terceira pessoa na mesma frase, confundindo os pronomes e o lugar das vírgulas… Não sei viver nem escrever, mas insisto nessas atividades como se fossem obrigatórias - não posso me matar, nem abandonar as palavras.

Dedé, que agora me conhece melhor, mesmo assim não me abandonou. Não me abandonou ainda? Pergunto à vida - que nada responde. Preciso sempre escrever Dedé, pensar Dedé, amar Dedé… minha sina, minha boa sorte! Meu coração é inteiro seu, mas só. E todos sabem, inclusive ele. O resto do meu corpo inteiro, incluindo isso que chamam de espírito, é do mundo.

Sou da vida, não puta, e nada tenho contra as putas, a questão é que não cobro nada mais que atenção dos muitos amores que tenho. Aliás, nem atenção pareço cobrar, pois um dos meus amores pouco se importa comigo, o maior de todos não retribui meus abraços, e os cultivo mesmo assim. Meus amores são meus apenas, assim como os amores de quem me ama, são deles, delas. Cada um com os seus problemas, cada um com os seus amores.

Ontem, ao me despedir de um dos meus amores, mandei: “Um abraço! Um beijo! Não sei… Um beijo existencial!”. E recebi de volta a pergunta: “Um beijo existencial?” - e fomos dormir. Explico aqui. Sim, um beijo existencial. Considerando as razões universais (inventadas) que nos unem, que nos movem, e considerando também a ligação entre os amores e os problemas, os beijos e os amores, há fundamento sim no termo “beijo existencial”. Foi o que lhe desejei, na falha do conceito mesmo, no buraco da ideia - um beijo existencial. Não sei quem ele é na verdade, mas amo tanto… Por pura arte mesmo! Pelo prazer estético. Amo porque pensando nele me brotam melodias e letras sem fim, pensando nele me surgem desejos inesperados, belos e destruidores como tempestades. É tudo pela arte, pelo mundo, porque eu mesma não valho nada… Tudo vale nada se não virar arte. E isso tem a ver com o seu questionamento que iniciou o fim da conversa: “Você tem um propósito? Você busca um propósito? Ou não acredita em nada disso?”. Achei curiosa a questão. Hoje a pergunta sobre o sentido da vida me parece tão invasiva quanto as sobre orientação sexual… Eu não entendo a vida, e não acho que são altas as chances de haver uma inteligência controlando o universo. Eu acredito na sorte, no azar, no acaso… e como podem me achar má ou boba por isso, prefiro reservar aos íntimos essa perspectiva.

Como sempre tento explicar a Dedé: quase nada faz sentido. Somos nós, em nossa admirável imaginação, que criamos razões para as coisas, para os outros, para nós mesmos. E é aí que se mostram os humanos! E como são em sua maioria tremendamente previsíveis, óbvios, caretas... O futuro, ou a história (tanto faz), se alimenta de outro tipo de gente - dos apaixonados. O futuro se alimenta dos apaixonados por alguma coisa, dos humanos que vão para o espaço, dos artistas, dos que dão aula, dos que têm filhos, dos que escrevem livros, dos que cuidam de algo ou alguém, dos que maltratam também, dos que têm raiva, dos que atiram nos passageiros, dos que se matam. A história é feita pelos que dormem em agonia, não pelos que gozam o sono dos justos. Os justos fazem o que devem fazer, pensam o que devem pensar; e se tudo fosse assim, justo, o universo seria o mesmo desde sempre, o que não faria sentido.  O caos é necessário… não em tudo, não sempre. O caos é uma pimenta existencial. 

Acredito no corpo, acredito na arte, e me limito a saber grandiosas essas coisas, aceitando que não as entendo. Espero que Dedé não me abandone nunca; que um dia chegue a compartilhar comigo seus outros amores; espero nunca mais magoá-lo. Tudo que quero é me livrar dos acordos sociais que eventualmente podem limitar essas coisas que prezo: o corpo e a arte. Porque amar e dançar é o que importa. Se tudo der certo, ao fim da vida terei uma coleção de amores e obras de arte; se der errado serei uma velha sozinha, maluca e provavelmente triste. Sei que não há nada de errado em ser uma velha sozinha, pinel e triste - é normal até. Por isso insisto em viver e escrever, errado mesmo.

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