quarta-feira, 14 de julho de 2021

Cabeça bonita

Escrevo quando estou agoniada, estando assim tenho vontade de escrever todos os dias. O que me agonia é aquele mocinho. A voz do Wagner toda hora ecoa na minha cabeça “como você deixa um menino de 20 e poucos anos te dar um fora? Amiga, acorde!”. Também me pergunto, como?

Coitado, tornou-se um dos meus personagens, na vida e na literatura. Ele é um menino real que não quer ser um personagem, um capricorniano. Não sei bem o que isso significa, não significa nada. Mas dizem coisas por aí... se forem verdades, as estrelas foram mais benévolas com ele do que comigo.

Recebi um convite para não sei o quê numa chácara, aceitei. Não podia aceitar, não deveria, mas aceitei. O celular ascendeu: “tá pronta?”, dizia a mensagem, ou dizia outra coisa, não lembro. Combinamos de nos encontrar no bar. Chegaram, abri a porta do carro, meio embaraçados trocamos cumprimentos e me acomodei no banco de trás. Acho que escutavam Noel Rosa, ou outro sambista, também não lembro. Eles cantavam, estavam felizes e eram jovens. Falta muito para chegarmos à Bauru? Pensei comigo mesma, resolvi perguntar: “Gen...”, não tive tempo de concluir, “Chegamos!”, ele disse.

- Não íamos para Bauru? Estamos viajando há vinte minutos no máximo!

- Bauru?

Realmente, não sei de onde tirei aquela informação, eu invento coisas e acredito nelas. Um aniversariante estava comemorando a chegada dos 21 anos e o outro dos 22. Cilada Bino! Disse uma voz do além. Por que eu estava ali? Por que aceitei aquele convite? Eu tinha tanta coisa para fazer, e especialmente naquele dia estava mal do estômago. O que fazer quando você tem um milhão de compromissos e dores estomacais? Ir para uma festa de adolescentes! Claro. Fui por causa do mocinho, estava meio apaixonada, estou, não sei. Gosto dele como de vírgulas, não me controlo, não sei usar, ponho vírgulas onde não deveria.

Música animada, mas ruim. Bebíamos vodca misturada com alguma coisa com gosto de leite fermentado. Estávamos como que numa festa infantil, não faltaram nem os pais. Um casal amável com belos sorrisos veio me dar um oi, “Oi, meu nome é Lorena”, respondi. “Você é a Lorena?” disse o velho espantado. Disfarçada e delicadamente ele tentou contornar “Meu filho falou de você...”. Não soube o que fazer, fingi-me de doida, falei do trabalho, não lembro. O que estou fazendo aqui? Era meu único pensamento. Único não, na minha cabeça dançavam três pensamentos: Vou comer o mocinho? Quando vou comer o mocinho? O que estou fazendo aqui?

O céu escureceu, a temperatura baixou, os meninos pularam na água e, mais tarde, molhados e arrependidos ficaram tremendo pelos cantos, esquentando-se uns nos outros como pintinhos. Eram todos meninos bons, não todos, não sei, mas pareciam meninos bons. Lembro sempre do Wagner dizendo “Que sorte, não? Encontramos dois meninos bons!”, quando no balanço da "Torts" voltávamos para casa depois daquela festa em setembro de... Meu deus! Estamos em junho! Como pude fingir por tanto tempo que eu me importava tão pouco? Ah, sim! Sou casada.

- Preciso de roupas secas, estou todo molhado! Vamos até o carro? Estão no bagageiro.

- Você deve estar com frio...

Conversamos, transamos, conversamos e transamos de novo. Como nos entendemos bem no banco traseiro daquele carro! Naquele espaço pequeno e sem ar eu encontro mais vida que em todo o meu quintal. Que horror... Que fiz com minha vida nos últimos tempos? Fodi, fodi coisas, planos e pessoas. Por que não escrevi sobre essas pessoas? Comi umas pessoas aleatórias. Num ménage sinistro (que merece um texto à parte) eu comi uma amiga e um cara desconhecido, primeiro numa rotatória e depois na praia, uma puta transexual nos salvou de um possível assalto, aquilo foi uma noite digna! Comi um professor rechonchudo que não transa mal, professor rechonchudo... coitado, ele é bem mais que isso e merece também algumas linhas, algumas páginas talvez. Comi também um casal, a moça linda e o cara grudento me entretiveram por algumas semanas. Não escrevi até agora sobre eles porque não me importei o suficiente. Escrevo sobre tudo que me importa.

Já em clima de fim nos sentamos em roda no chão da varanda. Nunca me veio à mente uma boa maneira de retratar aquela cena, a disposição dos corpos, o cruzamento das conversas. Sua cabeça bonita estava exatamente entre mim e o moço que me contava empolgado uma coisa qualquer. Eu fingia ouvir as palavras do rapaz enquanto na verdade refletia sobre o peso do menino que se apoiava em mim e o cheiro bom que vinha de seu moletom; ria e concordava com sei lá o quê enquanto em segredo pensava na textura dos fios de seu cabelo que eu encaracolava nos dedos... Nos despedimos com estranheza naquela noite, depois de tudo que conversamos ele deve ter entendido alguma coisa da qual não gostou.

Quando eu tiver espaço, terá ele tempo? Essa história se arrasta há anos e em breve se esfrangalhará nas pedras do caminho, como tudo que se rasteja quando deveria andar de pé.

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