quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Passou...

Até quando procurarei em outras curvas suas medidas, em outros cheiros sua essência  em outras bocas seus trejeitos, ate quando vou pensar que ainda dói? Eu to cansada...

Dei corda no maldito relógio de ferro. O olho atônita como se fosse mesmo um portal, adentro seus ponteiros e vejo muito mais que as horas, vejo um tempo que se foi. Não um tempo qualquer, um específico, aquelas madrugadas infernalmente quentes de setembro. Tempos nos quais este relógio fazia peso em outro criado mudo, num quarto menor e mais aconchegante que este que hoje em dia durmo. Tristemente, se por acaso neste relógio ainda houvesse vestígios do perfume daquele quarto, sem rodeios eu o cheiraria como quem há muito tempo não respira. Mas não. Tem cheiro de ferro mesmo, de morto, de frio, de relógio qualquer. E seu barulho é tão irritante! Que aflição, esse desesperado relógio só sabe mesmo marcar as horas, num infeliz tic-tac que não é capaz de me levar pra outros tempos. Inútil relógio, maldito juiz do atraso, só me serve mesmo pra lembrar do que quero esquecer.

Eu cansei de ir contra o sentido horário, e me pus no tempo de agora, e agora já faz tanto tempo, eu nem lembro mais. Comecei a esquecer coisas, detalhes. Os detalhes que registravam nossa intimidade. Eu tento não esquecer o cheiro de suas dobras e juntas, mas ele já se esvai. Eu tento não esquecer sua cara em certos momentos. Eu mordendo seus pés, eu lhe mordia todo procurando a macies que sua pele propunha, e eu a encontrava ao final de suas costas num cantinho do quadril. Entre os dentes eu lhe sentia até o gosto das pintas! A textura dos seus poros, eu lhe amava com a língua, de olhos fechados, coração aberto, mente vazia.

E eu vou sim apontar o corpo como centro de toda saudade. Afinal é no meu corpo que a saudade do seu corpo derrama toda sua acidez, aparentemente derrama tudo em meu estômago. Mas é "só saudade" dizem. Pra mim parece mais, saudade é pouca coisa, não causaria tanta dor. Sentir saudade é bom, se fizer chorar será por pouco tempo, saudade é lembrar de coisas boas que se foram, tem seu "quê" de felicidade. Se acaso minha dor fosse só saudade já teria passado, teria se diluído nos rios de choro que derramei, teria se afogado em meio ao mar de novidades em que hoje me banho. Hoje, tendo de me reinventar, me vejo sem material pra tal feito, sinto que perdi pedaços. Esqueci em algum lugar daquela casa um pedaço de mim. Talvez no box do banheiro, ou na bagunça do quarto à esquerda, mas penso mesmo que perdi alguns pedaços de mim foi ali naquela cama. No colchão que saía do lugar, na detestável coberta vermelha de corações vazados, naquele travesseirinho. Está por ali o pedaço que perdi e que tanto me faz falta, tanto.

Mas vou ficar inteira, está decidido já, finalmente ou tardiamente, sabe-se lá, mas meu Deus! Como doeu..Sei que não foi injusto, nessa história não houve vilão nem vítima e sim um menino e uma menina, brincando, só.

O tempo anda cicatrizando minhas perdas.Vou me reconstruir, eu sei. Mas como um aleijado que sente o coçar o membro que perdeu, eu sinto latejar a dor de uma ferida que nem existe mais. Lateja em minha memória a profundidade do corte. Você nem sabe. Nem estava em casa quando me cortei, você estava longe quando assimilei a despedida, que há muito se desenrolava na frieza de seus beijos e na frouxidão de seus abraços.

Pois o que eu quero é trancafiar essa minha tristeza, que grite sozinha! Que esperneie! Que chore, que sofra, que morra! Que morra de fome, que não tenha lembranças, que seque, que perdoe e se vá. Eu vou construir um baú de coragem, guardado por um cadeado de sensatez, e lá guardarei pra sempre o amor que quis lhe dar. Dar mesmo, de mão beijada, todo amor do mundo. Vou trancar nesse baú o contorno de suas orelhas, o lado direito de sua bunda, seus dedos redondos dos pés, suas sardas, seus dentes e sua falta de cabelo. Guardarei seus olhos e seus braços, sua voz e sua nuca, seu gosto. E mais importante de tudo, nesse baú encerrarei seu cheiro. Aquele cheiro doce e amadeirado, calmo e simpático que eu tanto amava, eu amava que se impregnasse em mim e nas minhas coisas, sentir aquele cheiro era como expirar em alívio.

E este baú nunca será visitado, será depositado no esquecimento, nos passados distantes. Objetos e lembranças empoeiradas por conta do tempo. Tudo caído num ligeiro esquecimento, nenhuma cor é muito viva, nenhum som é muito claro, e também nenhuma dor é muito triste.

A dor que sinto se embaça a cada dia, e eu sou forçada a lhe dizer adeus. Num triste aceno que me despede de uma longa e apaixonante viagem. Viagem que teve inicio quando fitei seus olhos, e só chegou ao fim por eu mesma ter os perdido de vista.

Escrevendo tais palavras no papel saem elas de minha cabeça, ainda bem pois já pesavam demais, saem e se despedem com um olhar de "nunca mais". Me alivio, durmo, me tranquilizo, me alegro, me perdoo e lhe deixo.

3 comentários:

  1. Em fevereiro de 2013 eu fui incapaz de comentar esse texto. Tentarei pôr em palavras o que ele me causa. Lindíssimo. Forte. Déchiré et déchirant ! Li do começo ao fim com a respiração presa, o coração se cerrando. Tão verdadeiro, tão sincero, tão você. Fora a precisição na construção das frases, na escolha lexical. Que "garotinha" pra escrever bem! Só o "mto" é que foi meio indigesto rsrs Beijo, Sel!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. huahuahuaha é verdade! eu jamais escreveria hoje em dia uma palavra abreviada num texto sério...mas, não sei até onde vai a seriedade desse blog rs.

      Excluir

Páginas