Tranquilidade e
simplicidade eram características marcantes na personalidade do Trajano, e isso
transmitia a todos muita calma, e calma é um sentimento um tanto quanto raro,
principalmente no ambiente universitário. Eu mesma costumo já acordar um bocado
ansiosa, a vida acadêmica não é tão “tranquila” como eu pensava que seria.
Antes de entrar na faculdade eu acreditava que seria fácil, eu continuaria
estudando (como eu já estudava), cuidaria da minha casa (deixaria tudo arrumado
e limpo sempre, para estudar em paz), e fora isso teria uma brilhante vida
social cheia de amigos, festas e festinhas, minha vida seria equilibrada entre
obrigações e prazeres, tudo enfim seria bom e descomplicado.
Essa feliz ilusão não se
manteve nem por um mês. Eu não entendia o que lia; a casa era um caos; e minha
vida social não era assim aquele mar de experiências agradáveis. Não foi fácil
aprender a estudar de verdade, não foi fácil aprender a cuidar de mim, e da
casa até hoje eu não aprendi direito; mas a questão é que nesse processo de
amadurecimento o Trajano foi para mim, e de certa forma ainda é, uma figura
importantíssima; em meio aquele conturbado momento da minha vida que nada tinha
de singular ou especial, afinal eu não era a única naquela realidade, bastava
ouvir qualquer outro estudante durante mais de dez minutos para ver que a
confusão psicológica e sentimental era regra e não exceção; o Trajano
representava um porto seguro para todos nós, ele nos ouvia, nos consolava,
abraçava, ele até nos visitava! Era um amigo.
Ele foi sim o primeiro
professor que olhou para mim como alguém que verdadeiramente poderia filosofar,
me considerou importante, leu meu texto que bem poderia ter sido escrito por
uma criança e me respeitou mesmo assim, foi gentil, desceu do alto da sua intelectualidade
até me alcançar, fez-se compreensível, foi um verdadeiro mestre. Um verdadeiro
mestre sabe subir e descer as escadarias da sabedoria, só assim ele é capaz de
alcançar os que estão nos primeiros degraus.
O Prof Trajano foi um
grande exemplo, pois era com alegria que ele encarava nossa infantilidade, e
com muito entusiasmo nossa jovialidade! Ele sabia fazer do conhecimento uma
fonte de prazer, brincava com as palavras até entendermos que todo problema é
grande, porque nós somos pequenos. O Trajano sabia amenizar nossas dores de
vida acadêmica, mas não pensem que era massageando nossos egos, porque não, era
um tratamento mais parecido com cuidados de avô; nossas feridas sentimentais e
intelectuais eram tratadas com muito respeito e paciência, nenhum erro era
absurdo ou ridículo, imperdoável ou incorrigível; tudo era encarado com
naturalidade, os erros gramaticais, os problemas da vida, as problemáticas
filosóficas...e então a filosofia se tornava possível, deixava de ser um
monstro para ser uma elegante senhora cheia de charme.
A
filosofia ensinada pelo Trajano em suas aulas, em suas tutorias e em seu
comportamento, era uma filosofia viva; ele nos mostrava que filosofia é algo
para ser vivido e não simplesmente compreendido; todos que tiveram a grande
oportunidade de conviver e aprender com o Prof. Trajano sabem do que estou
falando, seu método de ensino era nos perguntar “o que você pensa disso?”, e
não existe questão mais complexa do que essa para quem estuda filosofia,
principalmente depois de uns meses na graduação quando tudo em que acreditamos
começa a se dissolver como açúcar na água. O Trajano gostava de nos oferecer
uma tese e desenvolver conosco uma conversa até que nós próprios criássemos uma
opinião minimamente consistente sobre o tema, definitivamente não há disciplina
mais rica e proveitosa que a Tutoria, uma cadeira criada exclusivamente para
que o estudante tenha voz e para que essa voz seja escutada, considerada e
discutida. O Prof Trajano era respeitável porque acima de tudo ele era
respeitoso, lia nossos textos com muita seriedade e sabia nos corrigir com
muita delicadeza. Com ele aprendemos a ver a filosofia como um menu infinito de
questões complexas, e o trabalho do filósofo é escolher dentre elas a pergunta
que mais o comove, a dúvida que mais o instiga- e degusta-la.
Creio
que o maior legado do Prof Trajano, além claro da implementação das tutorias
aqui na UNESP, foi a filosofia que ele disseminou nesse campus, uma filosofia
que se faz com as próprias mãos, ou melhor, com as próprias palavras; é
bastante conhecida a personalidade dos estudantes de filosofia da UNESP, e não
estou falando dos nossos tão bem conceituados padrões estéticos e nem do nosso
extremo bom humor e ânimo, estou falando da nossa conhecida capacidade e
vontade de expressarmos nossas opiniões, somos corajosos, somos confiantes, e
essa segurança toda é sim a bela herança que o Trajano nos deixou, nos sentimos
confiantes porque sentimos crescer dentro de nós a semente filosófica que foi
plantada em nossas mentes, sentimos o poder de suas raízes crescendo, sentimos
a força de seus troncos. Não há como negar, o Trajano foi um tão grande
professor que desenvolveu em todos nós muito mais que a capacidade de sermos
bons alunos, ele nos mostrou como sermos mestres de nós mesmos, isto é,
aprendemos a criticar a nós próprios, aprendemos não somente a aceitar nossos
erros como também a caça-los, aprendemos a encarar nossos trabalhos com
honestidade, sem tristeza diante de nossos erros e sem presunção diante de
nossos acertos. O Trajano nos ensinou a ter iniciativa, cuidado e paciência,
uma fórmula para nos sentirmos calmos e continuarmos essa árdua caminhada nessa
trilha que ninguém sabe ao certo onde chega; jamais saberemos se agora o
Trajano está gozando de todas as respostas ou de um completo silêncio, ambas as
opções parecem boas, afinal é sabido que a atividade filosófica é bastante
fatigante, um pouco frustrante também, pois é um encantamento pelo
inalcançável, pelo inefável, é um trabalho constante pela aceitação da nossa
ignorância, aí está a sabedoria.
O
Prof Trajano desenvolveu um trabalho memorável ao longo de sua vida, as
mudanças provocadas por ele nessa universidade e agora essa placa oficializam
essa afirmação, contudo o maior marco do nosso tão querido professor foi
deixado em nós próprios, em seus alunos, seus amigos, um grande respeito e amor
ao conhecimento e à vida.
Eu
me sinto extremamente honrada em ter sido convidada para participar dessa
homenagem, mas tenho certeza que eu jamais conseguiria aqui expressar com
fidelidade o sentimento que todos nós, estudantes, tínhamos pelo Trajano, pois
a relação que ele estabelecia com cada um de nós era de amizade e por mais que
eu garimpe palavras no meu vocabulário nenhum conceito é plenamente eficaz para
simbolizar esse tipo laço. Muito obrigada pela oportunidade, espero ter ao
menos conseguido expor uma parcela da grande admiração que todos sentíamos pelo
Prof Trajano, obrigada.
que belo texto, que linda homenagem ao saudoso Trajano, era uma pessoa excepcional, muitas saudades dele!!
ResponderExcluirObrigada!! Receber elogios da sua parte é uma alegria para mim. Abraço!
ExcluirLinda homenagem!
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