Como são inspiradores esses documentários sobre gente
fodida. A panela aberta no chão de terra batida, a comida fedida disputada pelo
menino e o cão, a moça de 23 anos com cara de 64, os filhos pendurados,
jogados, ah... Quanta inspiração! Melhor ainda é quando mostram a África,
aquelas crianças barrigudas e sujas esperando por ajuda. Gosto mesmo é de ver
tristeza, prédio caindo, gente caindo, morrendo, morrendo de fome, de frio, de
bala perdida, de bala encomendada. Gosto de ver menina vendida, comprada, estuprada.
E as pessoas sem membros que dão palestras? Aí sim, não há nada mais motivador.
Desligo a televisão me sentindo inspirado, motivado, vou à
luta! Lutar pelo que mesmo? Ah! O bem, lutar pelo bem! Enquanto me olho no
espelho vejo um homem de sorte, “poderia ser eu um daqueles fodidos” – penso.
Quanta sorte! Na verdade, em meio a tanta sorte nem me lembro de mais nada. Vou
trabalhar, porque deus ajuda quem cedo madruga e não àqueles que são vagabundos.
A inspiração passou, pois só há merda no caminho até o
trabalho. Está tudo fedendo, todos estão suando, e esses mendigos nas calçadas?
Estão mesmo cagando no chão? Que nojo! Que nojo desse mendigo, dessa criança me
pedindo dinheiro. Tem muito mendigo e bosta, que nojo! Cheguei ao escritório,
que sorte! Nenhum pobre tocou em mim com suas mãozinhas sujas; mas o seguro
morreu de velho e por isso convém me lavar bem. Fui educado para ser limpinho –
sorte!
Fim de tarde, “hora feliz” com os amigos, bebo e retorno
para casa no meu carro que eu adoro. No conforto da minha poltrona, ligo a
televisão. É bom se informar, pois quem tem boca vai à Roma, vaia Roma, faz o que
mesmo? Enfim, informação, informação, eu adoro o conhecimento... Está passando
um documentário, que sorte! Gente fodida, que inspiração!