sábado, 20 de maio de 2023

Registro 065

08/05/23

Fuga


Amor, preciso te contar

Sem pintar o meu destino 

Não respiro, eu sou sem paz

Se ficar eu mesma mordo

Se correr, não vou atrás


Amor! Se quiser

Fugir do medo

Se quiser

Morrer mais cedo, vá!

Mas, se quiser

Fugir desse mais do mesmo

Fim das frestas entre os dedos

Ser o rei dos seus desejos

Venha!


É sua senha!

Ela é estreita, eu sei, a porta               

Foi toda torta a nossa estrada

Eu sei… mas venha!


Amor, preciso te contar


Registro 064

26/04/23

Todo aquele que cultiva ao menos um lírio sabe que a contemplação não basta. Observar flores não as faz crescer. Água demais as mata, água de menos também. Hora ou outra, no vaso ou no chão, algum adubo é necessário, alguma poda. Não morrem quando deixamos de retirar suas folhas secas, mas respiram e crescem menos.


Registro 063

07/04/23

O caminho livre

Minha alma pelada

Entre as penadas

Na madrugada


Ninguém sabe mais que eu

De mim

Ninguém sabe mais de nós

Que nós dois

Sim


Uivando pra lua

Sou bicho perdido

Queridos perigos

A verdade crua

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Quantas cartas de amor, de perdão

Escritas a mão num papel

Num tempo

Num lixo agora estão

Ainda bem que passou

O que doeu

Já passou


E ensinou duramente

Que a gente… as praças todas

Vão passar

Por isso nada importa

Além das linhas tortas

Que escrevi

Pra Lara


No futuro de paz que inventei

Plantamos Physalis no chão

No tempo

Na inacabada cabana

Nós dois, à janela

Mirando o fim

Que dançou


Registro 062

21/03/23

Sobre egoísmos...


Dores alimentadas viram monstros enormes que podem ser muito, muito cruéis. Nunca na vida enxerguei com tamanha clareza o mal que sou capaz de fazer… com os outros e comigo. Talvez todos nós sejamos capazes, por incontáveis razões, de nos matar.  Tudo que exijo, não se cobra. Cada ofensa que fiz, cada mágoa que causei, tem origem nas minhas próprias dores e medos, que eu alimentei até virarem monstros. Nenhuma explicação possível torna justa a minha crueldade, nada a justifica. Quero ser capaz de abandonar meus monstros até que morram à míngua, até que desnutridos não possam mais se mover, até que no mínimo, não possam ferir ninguém. Não me orgulho da minha crueldade, nem das deslealdades que já fui capaz de cometer na vida... Entendi que o respeito que devo à humanidade é de mesma grandeza da lealdade que lhe dedicava já em mim.


Registro 061

20/03/23

Suas portas, meu amor, só você tem o direito de abrir e fechar. O momento pede a filosofia kantiana à mesa. 

--

Lucía


Eu era

Como uma pedra

E do nada numa era

Eu derreti

Como assim?


Vulcão

Pulsão na Terra

É ela, o meu amor

Sua força interna

Eu explico


Lucía, Lucía

Antes de você

Tudo pouco se movia

Ou nada

Lucía…


Lucía, Lucía

Antes de você

Tudo pouco se movia

Ou nada…


Registro 060

19/03/23

É possível construir um castelo inteiro fortificado numa só coluna? Não. Então ficaremos bem. Seções inteiras destruídas depois da guerra, os grandes blocos de pedra no chão. Por onde olhar agora? Nossas torres estão em destroços… Mas um castelo é um castelo.


Registro 059

18/03/23

Sobre a moça da rua de cima

Depois de quase dois anos, Lara retorna, final e felizmente, ou não. Aparece como quem não deve explicações, como sempre. Lara é incrível mesmo, não deve nada a ninguém nunca.

- Essa é Gabriela, estamos juntas há cerca de 2 anos.

Adélia surge atrás de mim, gritando, com os olhos arregalados:

- Você abandonou às minguas o coitado do Beto e agora do nada…  Vá embora daqui Lara! Suma dessa casa!

Realmente me senti abandonado quando Lara partiu sei lá para onde, e Adélia apesar de distante me deu seu colo. Juro que achava ter feito tudo que estava ao meu alcance, tentei com todas as forças ser digno do amor de Lara e ela desapareceu com a mesma facilidade que voltou, como pôde? E como pode!? Lara é incrível mesmo, só de sentir seu cheiro por detrás da porta fiquei num misto excitante de decepção e alegria, vendo-a assim, movendo-se viva e presente à minha frente, meu deus como desejo abraçá-la! Deitar na cama, olhar de perto suas sobrancelhas

- Oi Lara. Que surpresa! Achei que nunca voltaria, onde você estava? E oi Gabriela, que surpresa…

- Gabi mora na rua de cima...

- Você estava a alguns metros...

- Eu estava a quilômetros.

Registro 058

15/03/23

Poema do entorno


Aguaceiro

Rua inteira eu sou

Buracos e sombras

Para cair e descansar.

A doença escondida

Na calçada, na pedra

No aperto de mão.

A ferida na árvore

Um coração, um balanço

Uma beleza perdida

Inventada e

Finita.


Registro 057

01/03/23

Sobre uma viagem


Lírica, colérica desde sempre, fechou com força a porta do quarto e veio se sentar ao meu lado na cama. Com raiva de tudo, de nada, com raiva da vida, enquanto narrava seus conflitos de adolescente (que não ouvi por na hora dedicar minha atenção aos seus cabelos) disse “... se você fosse minha mãe, tudo seria diferente…”; nesse momento passei a escutá-la e percebi em suas lágrimas que havia chegado a hora de passar adiante (mais) um ditado popular desses que explicam tudo e nada, que explicam a vida.

- Lírica, querida, tudo acontece porque tem de acontecer. Parece bobagem, às vezes a própria injustiça que controla o universo e as existências, seja uma coisa ou outra, tudo acontece por uma razão, isso é verdade.

- Você não fala mal das filosofias deterministas? Não passamos quatro horas ontem conversando sobre a aleatoriedade?

- A aleatoriedade faz mais sentido mesmo, mas só pelo mistério que é a soma de todos os fatos. Se soubéssemos todos eles, pelas leis da física, tudo estaria interligado caminhando desde o início dos tempos na mesmíssima direção.

- Sim. Mas nada faz sentido mesmo… não é?

- É sim.

A campainha tocou me salvando das profundezas mais terríveis de mim mesma, evitando que eu confessasse a Lírica ser sua existência um dos maiores feitos da minha boa sorte. Sou tão egocêntrica, amo tudo que diz respeito a mim, às vezes com rancor, com dores terríveis e alegrias indizíveis, mas amo. Caminhando até o portão, a passos lentos, curtos, como sempre faço viajei para um mundo interno onde posso dizer sempre qualquer coisa a qualquer um, e lá disse a Lírica que, pela fertilidade das minhas ideias que suspendeu a do meu corpo, eu a amava.


Registro 056

15/02/23

Não tenho paciência para a vida que exige de mim forças tão ordinárias…


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