Compus uma música para um chá de bebê! Aceitei esse trabalho porque foi para uma pessoa conhecida e querida, quem me sabe sabe que não faço esse tipo de trabalho, eu não componho por obrigação, minhas músicas nascem naturalmente porque querem e quando querem, têm vida própria - e eu as jogo no mundo por vontade, não por dever. Mas aceitei esse trabalho, a proposta inicialmente era regravar uma certa música substituindo o nome da criança da letra original, pelo nome do bebê a caminho, mas não consegui me conectar à música em questão e propus eu mesma compôr uma canção para a ocasião. Não previ a dificuldade que seria criar algo assim… tive que vasculhar sentimentos profundos em mim, familiares, que pouco revolvo, que muito ignoro na verdade… Foi uma jornada bonita por dentro de mim, que quero compartilhar com vocês.
Eu não tenho filhos e ao longo de toda a juventude nunca os desejei. Pelo contrário, ao calcular os riscos, não conseguia entender como alguém em sã consciência faria isso de caso pensado. Mas a juventude tem em si muitas incongruências e buscar a razão das coisas - diante da caoticidade da existência - é uma delas. Passamos anos correndo atrás de sei lá o quê que vimos despontar no horizonte… mas no horizonte não há nada além das utopias que nos fazem caminhar, e conforme avançamos, ele se afasta. Muito me ensinam os velhos que, cheios de cansaço e paciência, sentam-se calmamente entre suas alegrias e angústias para observar, para observar apenas, o sol se pôr.
Pela consciência, entendi que descobrir ou inventar a razão das coisas, não as justifica. Pelo amor, reencontrei a vontade, e aceitei - que a vida não é justa mesmo, não tem sentido, não busca por um - e não há problema nisso. A vida, que está para muito além da minha vida, quer viver apenas. A vida quer viver, se deseja algo, deseja a si mesma, e só. Essa linda confusão na qual vivemos, não requer explicação… os anseios e os vazios; as boas e más lembranças; os velhos e os bebês… são faces de um único prisma - que por inteiro jamais conheceremos. Nós mesmos, para nós mesmos, no grande mistério, somos segredo. De uma maneira milagrosa, a vida não é bem o que é, ou como está, mas o que pode ser, ou se tornar, a vida é potência pura - de si, para si, em si mesma [e um abraço para os hegelianos de plantão].
Enfim, revolvi valores/móveis, lembranças/casas dentro do meu espaço/coração, para compor a canção… e como sempre, escondida brincando estava lá minha criança, eu mesma para sempre com 5 anos. Ela estava colhendo feijões perto da cozinha, no jardim, e debruçada sobre o parapeito da janela sua mãe cantava, minha mãe cantava “Brilhando, brilhando… quero brilhar como a luz…”. Dessa memória/fonte e algumas outras, da saudade dos quintais… minha nova música começou a nascer…
Essas inspirações deram as mãos à minha inexplicável vontade de viver, à minha inexplicável vontade de ver numa pessoa nova, os olhos que amo da pessoa que escolhi. Minha louca busca por razão se encerrou no dia em que conheci minha pessoa, desde então um menino fruta nasceu dentro de mim, como se eu fosse árvore e ele uma manga, natural assim, eu terra, ele Physalis. Só a poesia dá conta, é sempre assim.
Agora que já contei, do meu jeito, os principais passos da jornada interna que fiz, os principais elementos da história dessa composição para o chá de bebê, falta apenas um: minha mãe, quando tinha 5 aninhos, perdeu a sua. Em seu último aniversário, de presente lhe dei uma cartinha, um bilhete, um devaneio, uma fantasia, que compartilho agora, e com a qual encerro este texto:
“Tem gente que não tem mãe, e tem gente que não tem filho. Ninguém entende mais o valor de algo, que aqueles que não o possuem; o vazio ensina o tamanho das coisas que preenchem o espaço, o mundo, a existência. Você em mim não é vazio, é saudade, que privilégio! Saudade é um sentimento reservado aos que sabem o que é felicidade. Lá no nada, onde os vazios se encontram e tudo faz sentido, meu menino e sua mãe estão de alguma forma brincando no quintal, ele colhe feijões enquanto ela canta na janela. Entende? Te amo, e celebro a vida em minha vida, graças à sua.
Todos os dias são seus,
De sua filha, para minha mãe.
Selmy.”