terça-feira, 20 de agosto de 2024

Sobre a música para o chá de bebê - Primaveras

 Compus uma música para um chá de bebê! Aceitei esse trabalho porque foi para uma pessoa conhecida e querida, quem me sabe sabe que não faço esse tipo de trabalho, eu não componho por obrigação, minhas músicas nascem naturalmente porque querem e quando querem, têm vida própria - e eu as jogo no mundo por vontade, não por dever. Mas aceitei esse trabalho, a proposta inicialmente era regravar uma certa música substituindo o nome da criança da letra original, pelo nome do bebê a caminho, mas não consegui me conectar à música em questão e propus eu mesma compôr uma canção para a ocasião. Não previ a dificuldade que seria criar algo assim… tive que vasculhar sentimentos profundos em mim, familiares, que pouco revolvo, que muito ignoro na verdade… Foi uma jornada bonita por dentro de mim, que quero compartilhar com vocês.

Eu não tenho filhos e ao longo de toda a juventude nunca os desejei. Pelo contrário, ao calcular os riscos, não conseguia entender como alguém em sã consciência faria isso de caso pensado. Mas a juventude tem em si muitas incongruências e buscar a razão das coisas - diante da caoticidade da existência - é uma delas. Passamos anos correndo atrás de sei lá o quê que vimos despontar no horizonte… mas no horizonte não há nada além das utopias que nos fazem caminhar, e conforme avançamos, ele se afasta. Muito me ensinam os velhos que, cheios de cansaço e paciência, sentam-se calmamente entre suas alegrias e angústias para observar, para observar apenas, o sol se pôr.

Pela consciência, entendi que descobrir ou inventar a razão das coisas, não as justifica. Pelo amor, reencontrei a vontade, e aceitei  - que a vida não é justa mesmo, não tem sentido, não busca por um - e não há problema nisso.  A vida, que está para muito além da minha vida, quer viver apenas. A vida quer viver, se deseja algo, deseja a si mesma, e só. Essa linda confusão na qual vivemos, não requer explicação… os anseios e os vazios; as boas e más lembranças; os velhos e os bebês… são faces de um único prisma - que por inteiro jamais conheceremos. Nós mesmos, para nós mesmos, no grande mistério, somos segredo. De uma maneira milagrosa, a vida não é bem o que é, ou como está,  mas o que pode ser, ou se tornar, a vida é potência pura - de si, para si, em si mesma [e um abraço para os hegelianos de plantão].

Enfim, revolvi valores/móveis, lembranças/casas dentro do meu espaço/coração, para compor a canção… e como sempre, escondida brincando estava lá minha criança, eu mesma para sempre com 5 anos. Ela estava colhendo feijões perto da cozinha, no jardim, e debruçada sobre o parapeito da janela sua mãe cantava, minha mãe cantava “Brilhando, brilhando… quero brilhar como a luz…”. Dessa memória/fonte e algumas outras, da saudade dos quintais… minha nova música começou a nascer…

Essas inspirações deram as mãos à minha inexplicável vontade de viver, à minha inexplicável vontade de ver numa pessoa nova, os olhos que amo da pessoa que escolhi. Minha louca busca por razão se encerrou no dia em que conheci minha pessoa, desde então um menino fruta nasceu dentro de mim, como se eu fosse árvore e ele uma manga, natural assim, eu terra, ele Physalis. Só a poesia dá conta, é sempre assim.

Agora que já contei, do meu jeito, os principais passos da jornada interna que fiz, os principais elementos da história dessa composição para o chá de bebê, falta apenas um: minha mãe, quando tinha 5 aninhos, perdeu a sua. Em seu último aniversário, de presente lhe dei uma cartinha, um bilhete, um devaneio, uma fantasia, que compartilho agora, e com a qual encerro este texto:

“Tem gente que não tem mãe, e tem gente que não tem filho. Ninguém entende mais o valor de algo, que aqueles que não o possuem; o vazio ensina o tamanho das coisas que preenchem o espaço, o mundo, a existência. Você em mim não é vazio, é saudade, que privilégio! Saudade é um sentimento reservado aos que sabem o que é felicidade. Lá no nada, onde os vazios se encontram e tudo faz sentido, meu menino e sua mãe estão de alguma forma brincando no quintal, ele colhe feijões enquanto ela canta na janela. Entende? Te amo, e celebro a vida em minha vida, graças à sua.

Todos os dias são seus,

De sua filha, para minha mãe.

Selmy.”


quarta-feira, 27 de março de 2024

Sobre o escorrer da consciência

São tantas as importâncias impartilháveis… urgências inexplicáveis que clareiam tudo e desaparecem, relâmpagos mentais; existenciais, concretas, atemporais, pontuais, de todas as ordens, em todos os níveis - nossas e só nossas relevâncias. Tão triste sermos assim impenetráveis; serem assim insuficientes todas as línguas e linguagens, todas as palavras, estas inclusive. Não há nada entre mim e o mundo, entre as coisas e eu, entre nós estamos a sós sempre. Quase sempre, mas… aí é milagre, é beleza, existência em si, por si, não requer compreensão - quando a consciência dança de olhos fechados, quando corre livre, quando escorre em riso, em sangue, no corpo, na última nota que não soa, na letra que falt…

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Sobre perdas

Meu coração se remenda com linha tão fina, tão fina… que se dilacera todo facilmente, um sopro de medo e tudo se desfaz, de ódio e tudo se quebra, coisas se perdem…para sempre. Como o ouro perdido na formação das alianças, o pó perdido de alma na conclusão dos pensamentos …no presente constante que é a vida, em sua eternidade, algo de precioso fica, algo de valioso se perde no vazio eterno, do peito ou do espaço…

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Às más línguas

João morreu, pagou as contas e morreu, assim do nada, em público no quinto dia útil e falaram isso como uma coisa boa em seu velório - porque o mundo não tem coração, é planeta, tem só pressão e lava no peito. José ficou mal falado, porque morreu sozinho no quarto, inútil.


Sobre cuidar

O tempo tem passado rápido, arrastando com ele minha cara, como se seu caminho fosse para baixo e não para frente; o rosto derretido no espelho é o meu. Porém não é sobre isso que preciso escrever, mas tem algo a ver com o tempo que passa levando coisas consigo. Veio-me uma frase na cabeça ontem antes de dormir, enquanto na paz daquele estado entre o sonho e a realidade, em que as imagens se formam sozinhas, as palavras se juntam sozinhas e começamos a assistir a um mundo criado por nós mesmos… que delícia. Delícia porque assistir, espectar, é mais fácil que agir, escolher, optar. Decidir é horrível, doloroso demais, saber-se responsável por si mesmo é um dos maiores pesos da vida, porque a partir do momento em que tomamos consciência disso as consequências são todas nossas, não há um outro a culpar, horrível… A existência pode até exigir algo do espírito para que consigamos dormir, porém depois de adormecidos, não nos exige nada, dormir é muito bom. Os problemas surgem quando estamos acordados. Demanda prática essa tal boa inclinação, tempo também e uma força de vontade que vem de algum lugar entre a esperança e o medo. Quero coisas, não quero outras, fim. No geral convém fazer o bem, pelos outros, pelo planeta, por egoísmo, tanto faz, de verdade, tanto faz mesmo. Porque no fim as más ações são más não por qualquer moralidade, mas sim por serem estéreis, e quando não infecundas são nocivas. A boa escolha é fértil, envolve um cuidado e dá orgulho. E era só essa última frase que quis ou precisava escrever. Uma vida é boa e dá orgulho quando é cheia de cuidados, de diversas ordens, em infinitos graus, todos os dias…

terça-feira, 30 de maio de 2023

Meu sonho é ser imortal, meu amor...

Gosto de ser arrebatada pela diferença, ela me mostra sempre quem eu sou - outra coisa. Difícil é não se sentir, saber e aceitar como uma coisa pequena, frágil e finita. Ou se inventar como uma coisa grande, forte e eterna.

Sobre sermos nós


Há dez dias sem escrever… significa algo, tudo significa (dependendo do estado de espírito). Parei para ler a segunda autobiografia da Rita e durante a leitura nasci e morri incontáveis vezes, assim como na leitura da primeira. Santa Lee, padroeira da liberdade e do deboche, te amo. Queria ter sua coragem de viver, ter três filhos, viver meu amor, dominar o mundo e morrer em paz no mato junto aos bichos e humanos que amo. Schiller pensava que a humanidade se esforça para parir de vez em quando uma pessoa genial, para dar aquela chacoalhada em sua própria história, para dar mais alguns passos em direção a si mesma. Não é legal pensar que a humanidade pariu a Rita Lee para se enxergar?

Sobre as coragens, não são falta de medo, certo? Estão mais ligadas à capacidade de irmos com medo mesmo. Há quem me ache corajosa, minha família talvez, alguns amigos, raramente consigo concordar com algum deles. Mas como Rita escreveu: “Sou tão distanciada de mim mesma [...]. Somos tão parecidas e tão diferentes. [...]. Diferentes porque ela seguiu o caminho da música enquanto eu ficava espiando o show da coxia e depois dizia que foi bacana - no que ela nunca concordava comigo.”.

Eu me sinto assim, numa espécie de contrário. As imagens, a literatura e por fim a música, sempre nos salvam. Porque amo e odeio profundamente a moça que me olha no espelho e só a arte me deu e dá forças para a encarar, supor suas dúvidas e medos e os escancarar, já que ela mesma não tem coragem. Quando tomo as rédeas grito seus problemas para que alguém os escute, já que ela mesma não fala. Escrevo textos, componho músicas e a faço cantar: cante, caralhos e úteros! Cante! Eu digo a ela. Cante pulando, urrando pelada! E ela canta chorando, depois diz “ah essa letra, diz o que sinto mesmo…”.

Se não fosse por mim, a moça do espelho não faria nada nunca. Se não houvesse dentro de mim uma outra, não saberia dizer o quanto me atrai e repulsa a existência em si e eu me encerraria em meu próprio silêncio. Sinto agora uma leve (e questionável) alegria por ser quem sou - tão raro esse sentimento, melhor encerrar aqui.

sábado, 20 de maio de 2023

Registro 069

18/05/23

“Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.”


Acabei de assistir a um pequeno trecho de uma entrevista de Vinícius de Moraes, em que ele recita sem grandes interpretações o seu famoso poema. O entrevistador com voz de verdade agradece a Vinícius, que com um olhar meio infantil responde:

- De nada.

A arte é uma gentileza da humanidade para consigo mesma. Na prática é uma gentileza do artista para com o mundo, suas obras de arte. A gratidão do entrevistador diante do poema de Vinícius e sua resposta ficaram gravadas da minha cabeça, o olhar de Vinícius foi correspondente à verdade na voz do agradecimento. Como quando uma criança nos traz uma flor de presente e a agradecemos e tudo isso é verdade, o coração da criança, o valor da flor, nossa alegria diante dela e a veracidade da dádiva: “De nada”.

Há algo inominável envolvendo a gentileza, da esfera do contraditório. Aparentemente está na esfera da encenação da vida capaz de superar a realidade mesma, de darmos valor ao que é inútil porque apenas o que não tem utilidade valoriza a vida em si. Por exemplo, o desconforto na cordialidade obrigatória, que não impede a bela ação de ser (e parecer) cordial e  boa. As existências interrompidas das flores de todo buquê, não há algo de triste nessa interrupção, que se contrasta à felicidade de quem os recebe? Falo sobre o medo nas entrelinhas das declarações de amor; dos terríveis abismos dos quais os artistas pescam suas ideias que transformadas chegam em gentileza ao público; da dor do menino Vinícius que em poesia nos leva ao - tão humano e confortável - lugar comum das esperas impossíveis.


Registro 067

11/05/23

Seria legal achar bom tudo que acho ruim. Basta alterar o ângulo do ponto de vista para alterar a cena inteira - funciona mais na fotografia que na vida, mas ainda assim é uma boa técnica e tem sua utilidade.


Registro 066

10/05/23

Um segundo


Eu tenho medo do silêncio e do barulho

Da claridade e do escuro

Do raso e do profundo, eu tenho medo

E mesmo antes de tudo acontecer

Se for pra ser, o que será?

Eu tenho medo!


Mas com você eu vou até o fim do mundo

Enfrento a morte por ao menos um segundo

E aceito os dias como são e o fim, enfim

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Sobre o fim das coisas


Aristóteles acabou com a minha vida, eu acho. Que adianta a felicidade e entender o que deve ser feito? Buscar a excelência não justifica ainda a vida, não lhe dá razão nem a torna justa. Ser feliz não serve mesmo para nada, é só mais uma categoria em que se encaixam algumas existências e outras não. 

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A capacidade de imaginar o futuro é uma benção e uma maldição. Ser uma humana que pensa é trágico e como sou dramática, minha tragédia é cheia de detalhes íntimos e desnecessários que lhe dão um quê novelístico. Sou péssima como roteirista, diretora, atriz, só me salvo como público mesmo - cujo único dever é espectar, comover-se talvez, emocionar-se no máximo, rir, chorar.

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Sobre especulações I


Physalis não nasceu e mesmo que nunca venha a nascer me angustia, tudo que amo me angustia um pouco. Com seus olhos enormes a me fitar no pensamento. Esperam de mim uma resposta que nunca tive para mim mesma, quanto mais para dar aos outros. Será essa a força das mães que tanto falam? Falam de algo que não existe até que venha a ser, mas o que não é assim? São imprecisos. Em mim não há força nenhuma ainda. Como um deserto que em mil anos será floresta, aguardo sementes.. também tempestades, rios subterrâneos, e bichos, e perigos, e vida e morte e vida e morte - num ciclo visceral, dramático e cego. Ser vazia é ruim, ser cheia também deve ser. Porque não há razão em ser uma ou outra coisa, ou não ser coisa nenhuma, a existência é uma eterna falta e o destino não possui propósito, prova disso são os verdes que vem e vão nas terras do mundo, os astros que se formam e depois explodem no espaço… para onde vai tudo que existe? Na eternidade do tempo as coisas somem como nascem no todo, do nada, para nada.


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